A partir da reflexão sobre o seguinte Tweet, escrito pelo Marcelo Naranjo, resolvi publicar esta impressão despretensiosa em forma de guia maroto.
Parafraseando o Marcelo: “imagina um roteiro aleatório!”.
Ele se referia à série Warrior Nun, novidade da Netflix, indagando sobre como os roteiristas e criadores em geral de ficção “criavam” suas invencionices para nós, consumidores ávidos por… bem, digamos que não por originalidades, mesmo porque isso é algo questionável, mas por ideias bem-boladas. Ainda que sejam de gosto duvidoso.
Como os roteiristas criam essas mídias? Por mídia, entendamos todos: série, filme, HQ, desenho animado, jogo eletrônico, personagem, background. De acordo? Aí vai minha participação na brincadeira:
Tristan Tzara escreveu, em 1920, “Receita para um poema dadaísta”, reproduzido aqui:
Receita para fazer um poema DadaístaTristan TzaraPegue um jornal.Pegue uma tesoura.Escolha no jornal um artigo com o comprimento que pensa dar ao seu poema.Recorte o artigo.Depois, recorte cuidadosamente todas as palavras que formam o artigo e meta-as num saco.Agite suavemente.Seguidamente, tire os recortes um por um.Copie conscienciosamente pela ordem em que saem do saco.O poema será parecido consigo.E pronto: será um escritor infinitamente original e duma adorável sensibilidade, embora incompreendido pelo vulgo.
Tá, beleza. O que isso tem a ver?
É o seguinte: esse texto injuntivo de Tristan Tzara simplesmente deu de bandeja a pedra angular para que todo e qualquer roteirista pudesse transformar palavras aleatórias em quaisquer mídias (filme, HQ, desenho, personagem…) e, consequentemente, tirar de um rascunho de papel inúmeros produtos de consumo em massa. É óbvio que o trabalho cerebral, o suor e a transpiração metaforizadas dos dias e noites de escrita pura ainda são necessárias e obrigatórias. Porém, é fato que é bem mais fácil e simples escrever com as associações de ideias nascidas a partir de uma semente retirada de um dicionário. E isso não ocorreu apenas nos E.U.A. Roteiristas do mundo inteiro logo sacaram o pulo do gato e resolveram usá-lo em produções nos cinemas chineses, italianos, japoneses etc. Não acredita? Vejamos:
Os roteiristas formados pela escola Hollywood, para criar algo consumível, seguem a fórmula de pegar dois substantivos, ou substantivo + adjetivo, ou substantivo + verbo. E fazem isso há décadas. Quer tentar?
Como é trovão em inglês? Thunder, sim?
E gatos? Cats.
Thunder + Cats = THUNDERCATS.
Coincidência? Acha que estou sendo fanfarrão demais, sim? Vamos tentar de novo:
Como é fantasma em inglês? Ghost.
E caçadores? Hunters ou Busters. Bem, acho que Busters soa mais legal.
Ghost + Busters = GHOSTBUSTERS.
Como é brinquedo, em inglês? Toy.
E história? Story. Porque “history” é a história real, científica. “Story” é algo fictício.
Toy + Story = TOY STORY
Bem, acho que você já deve ter entendido. Caso tenha manjado o raciocínio ou não, preparei uma lista bem interessante de conteúdo midíatico da década de 1980 (e de algumas coisas atuais) para sustentar minha impressão. Os títulos estão na forma original, mas ofereci a versão batizada aqui. É por isso que muita gente odeia traduções. Os nomes perdem o efeito catafórico. Olha só:
Cinema:
LadyHawke (aqui batizado como “O Feitiço de Áquila”)
Karate Kid
Dragonslayer (aqui chamado de “O Dragão e o Feiticeiro”)
Ghostbusters
Flashdance
Top Gun
Blade Runner
Star Wars
Breakfast Club (aqui chamado de “Clube dos Cinco”)
Blues Brothers (aqui chamado de “Os irmãos caras de pau”)
Mad Max
Blue Thunder (o nosso saudoso “Trovão Azul”)
Scarface
Firestarter (“Chamas da Vingança”)
Streets of Fire (“Ruas de Fogo”)
American Ninja
Death Wish (“Desejo de Matar”)
Invasion U.S.A.
Lethal Weapon (“Máquina Mortífera”)
RoboCop
Bloodsport (aqui batizado como “O Grande Dragão Branco”)
Die Hard (“Duro de Matar”)
Red Scorpion (“Escorpião Vermelho”)
Black Rain (“Chuva Negra”)
Bloodfist (“Punhos Sangrentos”)
Road House (“Matador de Aluguel“)
Starman (“O Homem das Estrelas“)
Séries:
Knight Rider (a famosa série “Super Máquina”)
Airwolf (“Águia de Fogo”… de onde vem esse fogo? Do armamento? E o “wolf”?)
Automan
Manimal
StreetHawk (“Moto Laser”)
Miami Vice
Quantum Leap (aqui chamado de “Contra Tempos”)
Fantasy Island (“Ilha da Fantasia”)
Amazing Stories (“Histórias Maravilhosas”)
Desenhos Animados:
Mighty Mouse (“Super Mouse”)
Jonny Quest
DangerMouse
Inspector Gadget (nosso “Inspetor Bugiganga”)
ThunderCats (graças a Deus nunca cometeram o atrevimento de traduzir!)
Bravestarr
Turbo Teen (aqui batizado estranhamente como “Turboman”)
SilverHawks
Galaxy Rangers
Sky Commanders (“Comandos do Céu”)
Bionic Six (“Os Seis Biônicos”)
Spiral Zone (“Zona de Ataque”)
Blackstar
DuckTales
Videogames:
Blaster Master (NES)
Double Dragon (NES e outros)
Final Fantasy (NES)
Kid Icarus (NES)
Mega Man (NES)
Battletoads (NES)
Ninja Gaiden (NES)
StarTropics (NES)
Donkey Kong (NES)
Dragon Quest/Dragon Warrior (NES)
Wonder Boy (Arcade, Master System)
Fantasy Zone (Master System)
Psycho Fox (Master System)
After Burner (Arcade, Master System e Mega Drive)
Golden Axe (Arcade, Master System e Mega Drive)
Astro Warrior (Master System)
Out Run (Arcade, Master System e Mega Drive)
Altered Beast (Arcade, Master System e Mega Drive)
Space Harrier, Enduro Racer, Penguin Land, Aztec Adventure, Captain Silver, Cyborg Hunter… (Master System e Arcades)
Top Gear, Super Metroid, Star Fox, EarhBound, Super Bomberman, Chrono Trigger, Demon’s Crest, PilotWings, ActRaiser, Killer Instinct (Super NES)
Mangás:
AstroBoy
Blue Exorcist
Cowboy Bebop
Don Dracula
Dragon Ball
Fairy Tail
Slam Dunk
Lobo Solitário
Death Note
One Piece
(…)
Personagens das HQs:
AntMan
Black Panther
Black Widow
Captain America
Captain Marvel
Green Lantern
Hawkeye
Dr. Doom
Dr. Strange
Iron Man
SuperMan
Batman
Batgirl
Batwoman
Beast Boy
Black Canary
Black Manta
Doomsday
Firestorm
Plastic Man
Spider-Man
Fantastic Four
Wonder Woman
(…)
Personagens Icônicos:
Indiana Jones
James Bond
Hannibal Lecter
Vito Corleone
HAL 9000
Darth Vader
Han Solo
Luke Skywalker
Harry Callahan
Rocky Balboa
Emmet Brown
Marty McFly
Sarah Connor
Buzz Lightyear
(…)
E nem vou incluir nomes de bandas, grupos musicais ou canções.
Acho que é o bastante. Fique à vontade para discordar, continuar a lista ou comentar.
17 agosto, 2020 at 10:19
[…] Das hollywoodianas às dadaístas. Escrevi um pouco sobre o assunto em meu outro blog, o Alforje (confira neste link). Se tanto, há motivo de sobra para este artigo: que tal brincarmos com as ilustrações das […]